CUIDAR E SER CUIDADO, UMA RELAÇÃO DE AMOR


Um amigo enfrentou a morte de seu velho companheiro, um cachorro. Uma história de amor, cuidado e perda. Vai nos ajudar a compreender a grandeza, as dificuldades, as angústias, os dilemas na relação entre quem cuida de um idoso e do idoso que é cuidado.

Algo de muito especial ocorre nas relações entre quem cuida e quem se permite ser cuidado. Algo muito íntimo, inquebrantável; diria mesmo que sagrado. Não é fácil encontrar relações desse nível, pois muitas questões de ordem subjetiva acompanham a decisão de cuidar e a permissão de ser cuidado e a distorcem, subestimam, competem entre si tornando obrigação aquilo que deveria ser baseado na doação.

Houve um tempo que em seu sítio moravam muitos cachorros. Alguns foram abandonados na
porteira de entrada. Outros, doados por amigos que não conseguiam cuidar deles em seus apartamentos. Foram ficando, tratados com amor. Todos compartilhavam experiências, cresceram e formavam uma grande família. Até mesmo um gato, surgido ninguém sabe de onde, acabou se integrando à matilha e dela participava como se também fosse um cão.

O herói de minha história é o Alemão. Nome dado de brincadeira porque era de pelagem preta retinta, quase azulada. Apareceu fugindo de um sítio vizinho onde tinha sido abandonado pelo caseiro. Estava faminto e com sinais de anemia. Foi alimentado, tratado, vacinado e conquistou a todos pelo seu jeito insaciável de pedir atenção e carinho.

Legítimo vira-lata, adorava sair e passear pela estrada, indo ninguém sabe para onde, retornando horas depois.  Em uma dessas saídas, Alemão trouxe um novo amigo filhote, enorme, com a pelugem dourada – a quem deram o nome de Mel - e este também foi ficando por ali. Alemão e Mel tornaram-se inseparáveis!

Ao envelhecer ele foi se debilitando. Devido à fraqueza começou a andar e agir com dificuldade. Entretanto seu comportamento em relação ao meu amigo continuava o mesmo: fazia festa quando se encontravam e se encostava pedindo carinhos que eram acompanhados por uivos de choro, como que dizendo o quanto esses momentos eram grandiosos e significativos.

Por diversas vezes meu amigo chamou o veterinário para examinar o Alemão. Chegou um momento, porém, que não havia mais o que fazer para devolver a saúde ao cachorro. Resolveu não mais impor qualquer tratamento que desse dor ao Alemão, deixando que a vida se encarregasse de eleger o dia e a hora de sua partida. Decisão difícil, mas acertada!

Meu amigo trouxe o Alemão para uma almofada junto à sua mesa de trabalho para que ele soubesse que não estava só. Mesmo quando ele já não tinha forças sequer para se erguer respondia aos carinhos abanando levemente o rabo. Homem e cachorro trocavam amor e conforto, uma relação de ganho para um e para outro. Um dia, Alemão não mais acordou. Mel ficava andando pelo sítio procurando pelo companheiro, esperando na porteira, talvez imaginando se tratar de mais uma de suas fugidas. O tempo curou a todos.

Por que estou relatando isso tudo? Porque embora esta situação aparentemente trate apenas da relação de amorosidade entre um homem e seu animal percebo, neste contexto, o desvelo de alguém que se propõe a cuidar e o carinho e o reconhecimento de quem se deixa ser cuidado.  Estabelece-se entre essas duas criaturas – quem cuida e quem aceita ser cuidado - uma ligação de intimidade, respeito e generosidade de forma tão particularizada que resulta em uma relação de grande harmonia.

O fato de uma das partes receber os cuidados não a impossibilita de também ela oferecer o seu melhor àquele que cuida – sua alegria, compreensão, carinho e reconhecimento – na forma de energia a ser com ele trocada.  Nesta troca de energias já não é possível dizer mais quem cuida de quem, pois ambos se complementam em termos afetivos e ambos se doam e recebem afeto da forma mais pura.

4 comentários:

  1. Querida Malu. Alemão, Baltasar, Juruna... Luna foram velhos amigos que partiram. Ainda tem o Mel. Que fique comigo ainda muitos anos! Chorei em cada perda. Todos eles me alegraram e na morte me ensinaram. Cuidar de cada um naqueles momentos tristes de despedida foram ganhos que aumentaram a minha humanidade. Não era eu quem cuidava deles; eram eles que cuidavam de mim. Obrigado pelo seu lindo texto.O Alemão, que você só conheceu por fotos, daria uma bela lambida na sua mão agradecendo.

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  2. Donadio, M, que bom você ter gostado do texto. Sou muito grata por me permitir usar o exemplo de vocês para falar de algo que, pela sua subjetividade, nem sempre é bem entendido ou bem explicado. O cuidar e o deixar-se cuidar são compromissos que assumimos movidos pelo amor e, quando as duas partes se comprometem a manter esses laços afetivos, ambas crescem, se desenvolvem e se apoderam da sensibilidade que humaniza. Grata por sua participação.

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    1. José Clemente Méo Junior3 de dezembro de 2019 às 11:07

      A empatia entre quem cuida e quem é cuidado é de extrema importância. Quando é acrescida de carinho e respeito, a combinação torna-se um grande aprendizado e alento.

      Parabéns e gratidão à você por trazer mais esta história e também ao Donadio pelo exemplo de humanidade.

      Abraços.

      José Clemente Méo Jr.

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    2. José Clemente Méo Junior, grata por sua amizade e participação. Fico pensando que, às vezes nos comprometemos em cuidar de alguém e, nossa vida atribulada acaba por nos fazer desviar de nosso objetivo - zelar por esse alguém. Colocamos esses cuidados em segundo, terceiro plano e só nos apercebemos disso depois, ao avaliarmos esse tempo que já se foi e não volta mais. A vida é muito preciosa e é nosso dever como idosos, informar os mais jovens sobre isso, sobre as lembranças que permanecerão conosco e o valor que cada uma terá, assim como as aprendizagens que delas virão. Um grande abraço.

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