SOBREVIDA, COMO ASSIM?

Estimativas feitas pelo IBGE apontam que em 2032 o Brasil passará a ser considerado um país envelhecido – prefiro dizer longevo – como consequência da presença de 32,5 milhões de brasileiros com 65 anos ou mais. Essa quantidade de pessoas idosas corresponderá a mais do que os 14% da população que a Organização Mundial da Saúde - OMS considera necessário para qualificar um país como sendo velho. Este é um fenômeno mundial, resultante da queda nos índices de natalidade, assim como da elevação das condições de vida em geral – o que assegura, para esses idosos, mais vida por mais tempo.

Meu pai foi uma pessoa com quem todos gostavam de conversar. Ele não se intimidava em enfrentar situações novas e, nessas ocasiões sempre comentava algo a respeito de um fato conhecido por todos ou sobre alguém presente na rodinha na qual se encontrava – um elogio, geralmente – de forma tal que fazia as pessoas se descontraírem o suficiente para começarem a aproveitar sua presença naquele grupo.

Poucas vezes vi meu pai perder o controle e, quando isso acontecia, sabíamos que precisava ficar sozinho, preferindo amargar seu desgosto quieto, pensativo, até se cansar. Então voltava a ser a pessoa falante e alegre que tão bem conhecíamos e tanto admirávamos. 

Certo dia, logo após completar 79 anos papai pediu-me para acompanhá-lo em uma consulta a um geriatra. Por se tratar de retorno de consulta, apresentou ao médico uma série de exames que este analisou cuidadosamente, anotou as informações em seu prontuário e depois de algum tempo comentou: “Levando-se em conta que o senhor já se encontra na sobrevida, podemos dizer que tudo está bem!” Papai observou-o por um momento, levantou-se, agradeceu e retirou-se do consultório.

Depois, durante a volta para casa comentou: “Como esse médico pôde falar assim comigo? Para falar em sobrevida então, no entender dele, eu já deveria estar morto!” E nunca mais falou nisso, a não ser em algumas poucas situações em que preferia brincar com essa ideia... Sem dúvida meu pai foi uma pessoa que não só gostava de fazer amigos como também gostava de viver!

Números e estimativas são realidades frias que retratam a parcela, digamos, objetiva de uma determinada situação; servem para fundamentar um estudo, chamar a atenção para determinadas circunstâncias ou fenômenos amplos, mas não podem ser entendidos como sendo a verdade única e incontestável, principalmente se os utilizarmos para pensar em uma situação específica. Além deles existe o universo subjetivo que envolve cada pessoa e que está, sempre, em movimento, colorindo e dando significados múltiplos a cada momento que vivemos.

Por isso, falar em sobrevida é falar em termos gerais; não cabe em uma consulta médica ou a uma situação particularizada, quando passa a ser uma observação no mínimo, desrespeitosa. Pensando nisso tudo e relembrando a atitude de meu pai, percebo que ele nos deixou um legado dos mais preciosos, que valoriza a pessoa por sua singularidade, pelo seu repertório de vida, por sua fé e força de vontade em continuar firme na constituição de seu tempo atual e futuro, sem aceitar qualquer desvio colocado pelo olhar míope de outras pessoas.

Meu pai ainda viveu alguns anos após esse incidente, construindo sua Feliz Idade da forma que deve ser: a partir da subjetividade e do conhecimento que tinha de si mesmo. E viveu esse tempo da melhor forma que conseguiu viver. E foi feliz!

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6 comentários:

  1. Malu que figura seu pai. Gostaria de tê-lo conhecido. Creio que daríamos boas risadas. Parabéns pelo blog e pela leveza com que vc trata assuntos tão importantes.

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    1. Abner Morilha,agradeço seu comentário e sua participação. Meu pai foi uma pessoa adorável! Lembrar de situações como essas que relato, não apenas servem para apresentar uma realidade muito maior como, se possível, garantir a todos a certeza de que há muita vida para se viver independentemente da idade que se possui. Bjs, meu amigo!

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  2. Lembro-me muito bem do seu pai Ezequiel, grande pessoa e de muita sabedoria. Boa ensinou muito enquanto esteve conosco

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  3. Obrigada por seu comentário!Gosto de lembrar do modo como ele via a vida: responsavelmente, mas com um toque de cores que revelava o quanto gostava de viver. Ele nos deixou muitas lições de vida. Algumas que são bastante atuais como essa citada: não há sobrevida, mas sim vida! Se estamos vivendo mais hoje em dia, graças a todo o progresso das ciências, da tecnologia etc., temos que viver intensamente tudo o que nos vier a ocorrer, participando e exigindo respeito por nossos direitos e "conhecimento" de vida.

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  4. Malu, parabéns pelo seu texto tão ilustrativo e verdadeiro. Não conheci seu pai mas, Luiz Carlos sempre comenta
    passagens dele nas festas, encontros em famílias que tiveram. Estou adorando os assuntos aqui abordados. Forte abraço! Luci e Luiz Carlos

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    1. Luci e Luiz Carlos, meus amigos queridos, grata pelo comentário. De fato, o Luiz e papai tiveram uma convivência bastante agradável. Nos encontros familiares, os dois passavam grande parte do tempo juntos se atualizando, um em relação ao outro e, não raro ouvíamos os dois darem gostosas risadas. Era muito bom vê-los juntos!

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