A BENÇÃO DE ABENÇOAR




Conversando com amigos, há tempos, quando encontrá-los era uma realidade palpável e corriqueira em nossas vidas, falamos sobre o significado da benção. O que mais me sensibilizou nesta conversa foi o fato de nos referirmos à benção como tendo um efeito duplo: o desejo de que a pessoa a quem se abençoa receba o melhor que se pode a ela desejar e, ao mesmo tempo, o fato de que essa benção repercute na pessoa que a proferiu como alguém a quem a vida também abençoa.

Voltando para casa pus-me a pensar no significado que demos à benção, não sem antes lembrar que quem nos abençoa geralmente são os pais, assim como os religiosos de forma geral, solicitando à divindade na qual creem vida longa, harmoniosa, justa e honesta a quem abençoam.
Assim pensando, fui percorrendo caminhos de bênçãos que recebi ao longo de minha vida, até que me veio à lembrança algo que vivi com minha mãe quando ela, após um implante de marcapasso, já não conseguia deslocar-se com a mesma desenvoltura de antes, pela casa em que vivera por mais de cinquenta anos, após casar-se com meu pai.

Nossa casa era um sobrado. Aos poucos, mamãe deixou de frequentar o andar térreo por já não possuir resistência para descer e subir a escada ficando, então restrita ao seu quarto. Não sei dizer o que, de fato aconteceu, mas o que poderia provocar-lhe tristeza, desgosto, insegurança, revolta, acabou por fazer transparecer uma meiguice como nunca tínhamos constatado nela. 

Mamãe sempre foi uma presença marcante como mãe e dona de casa. Seu modo de conduzir os acontecimentos era digno de elogios e consideração. Ela sabia o que fazia, tinha uma vontade férrea e, certamente, se satisfazia e se realizava em seu universo familiar.

Os onze anos que viveu após o falecimento de meu pai foram pautados por altos e baixos em sua saúde, alguns incidentes de percurso que exigiram rapidez e eficiência em acudi-la, inúmeras consultas médicas e internações, que devem ter-lhe garantido a suavidade e sabedoria necessárias para viver aqueles momentos confiando na presença carinhosa de seus filhos e, agora, protetores.

Eu trabalhava o dia inteiro e me acostumei a ligar para ela em determinados horários do dia, para saber como ela estava e, ao finalizar a ligação, passei a abençoa-la, da mesma forma que, um dia, ela fez comigo. E essas bênçãos passaram a fazer parte de nosso ritual diário. Eu a abençoava e ela me abençoava. Não era preciso dizer mais nada; tudo estava bem!

Uma grande e querida amiga, minha companheira de trabalho e profissão, certo dia entrou em minha sala no instante em que mamãe e eu nos despedíamos e trocávamos bênçãos. Não esqueço a emoção com que ela presenciou aquele momento tão íntimo. Depois, me falou de suas experiências com seus pais e da falta que sentia dessa intimidade familiar. Pelo que sei, ela passou a abençoa-los e, certamente, a partir dessa atitude, criou um canal de comunicação com eles. 
   
Por que estou falando disso tudo? Porque nesta pandemia toda, uma época tão incerta, em que as famílias se recolhem em casa e vivem experiências diversas daquelas que se acostumaram a viver, a convivência entre as pessoas, principalmente as de gerações diferentes, pode ficar difícil e resultar em estresse, mau humor e mal estar geral.

Sabemos que estamos no meio de um furacão e, que ainda teremos muito momentos de confinamento social e assim deve ser, para o nosso bem, o bem de nossas famílias e das demais pessoas. Qual deve ser nossa postura frente à necessidade desse isolamento?

Como adultos e pessoas mais experientes podemos semear um terreno saudável e equilibrado para nós, nossos filhos e netos, criando alguns hábitos familiares. Primeiramente, cuidando de sua paz interior: ao acordar, dirija seu pensamento ao universo, agradecendo, verdadeiramente, a dádiva de ser presenteado com mais um dia de vida. Um dia dedicado à família e à conservação da saúde física e mental dos seus membros.

Depois, abençoe as pessoas que estão ao seu lado. Mostre-lhes o carinho e o encantamento que suas presenças lhe conferem. E deixe-se por eles ser abençoado.
Não ligue a televisão com tanta facilidade. Os telejornais, principalmente, têm servido como elemento tóxico, maltratando-nos com notícias que não apenas nos sensibilizam, como também nos roubam energia. Prefira músicas tranquilas e aproveite a ensinar as crianças a apreciá-las, por exemplo, durante o café da manhã.

As crianças observam os adultos e, graças a seu exemplo, extraem grandes ensinamentos para a vida. Convide a todos a participarem dos cuidados a casa: combine tarefas, usando sua sensibilidade em relação ao desempenho possível de cada um – o objetivo é garantir harmonia no ambiente em que se vive e isso, só acontece com a participação de todos.

Estabeleça um cronograma de atividades, equilibrando momentos familiares e atividades individuais. Atividades rotineiras e atividades novas – que tal convidar as crianças a criarem uma horta em casa? Elas adorarão mexer na terra e cuidar das plantas. Mesmo as crianças, no entanto, necessitam de momentos de isolamento para se reorganizarem individualmente e seria muito bom se elas pudessem ter sua privacidade respeitada.  
   
Dedicarei uma série de postagens incentivando o convívio intergeracional, começando por esta, convidando as pessoas a se abençoarem mutuamente, não importando aqui, a fé que se professa. A criança abençoando o adulto e o adulto a abençoando, no início e ao final do dia, prepara o terreno para a família viver em harmonia esses tempos turbulentos.

E, assim, abençoados, poderemos agradecer: gratidão por estarmos vivos, termos uma família, um teto que nos abriga, alimentos à mesa, amigos verdadeiros, sorrisos sinceros e, mesmo, o silêncio para pensar, tomar decisões, acertar e errar, crescer.        

15 comentários:

  1. Que bênção ler esse maravilhoso depoimento.

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    1. Mayre Vigna, um depoimento tão singelo e delicado, mas que fez toda a diferença para mim, a partir do testemunho e emoção de uma amiga que não só presenciou a cena, como também a valorizou, dando-me consciência plena do que resultava a partir dessa atitude.

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  2. Maluzinha... que coisa mais linda!! Veio a calhar numa semana tão difícil para mim e meu irmão onde tivemos que internar meu pai numa clínica de idosos por conta do Alzheimer. Você é uma exímia e sensível escritora. Um beijo no seu coração ❤❤ sua amiga Cláudia

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    1. Claudia, imaginei que existam muitas pessoas vivendo momentos de muito sacrifício frente a decisões que devem tomar. Não deixe de abençoar esses momentos, porque são momentos de crescimento e,, para crescer, minha amiga, devemos ter fé, esperança e muita gratidão. Beijos e muito obrigada por sua presença também neste blog.

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  3. Olá, Malu! Obrigado por compartilhar a delicadeza de sua alma. Foi um aprendizado ler sua publicação. Este tema nos convida a enxergar de uma forma muito sensível a beleza que o nosso criador, Jesus Cristo, nos concede continuamente. Minha gratidão! Que o Senhor a abençoe grandemente.

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    1. Anônimo, grata por suas palavras e reflexão. Que sejamos todos abençoados, para que neste período de tantas mudanças possamos reforçar os laços familiares e de amizade, porque no final, os sentimentos nobres é que farão toda a diferença e resultarão em posturas mais verdadeiras. Seja bem vindo!

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  4. Oi Malu, obrigado por fazer parte de minha vida...beijos afetuosos.
    Sérgio Cahen

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    1. Querido Sérgio Cahen. Eu que agradeço por sua amizade, alegria e companheirismo. Um beijo.

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  5. Malu, quantas lições de vida você nos proporciona com as tuas histórias!!! Além disso, a forma que você escreve faz com que seja possível criar todo o cenário em nossas mentes, tornando ainda mais rica a experiência.

    Que Deus te abençoe ������

    José Clemente Mėo

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    1. José Clemente Méo, fico feliz com seu comentário. A vida nos presenteia com momentos muito significativos, que não podem ser desperdiçados. Temos que compartilhar esses momentos para, talvez, fazer a diferença na vida de outras pessoas e mostrar-lhes que mesmo em uma época de isolamento social continuamos próximos daqueles a quem queremos bem.

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  6. As figuras que aparecem com pontos de interrogação, quando postei apareceu pra mim como mãos unidas em oração e é o que vale. Tentei editar, mas não foi possível.

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    1. Pontos de interrogação? Só vejo mãos unidas! É o que vale!

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  7. Olá Malu
    Muito verdadeira a sua reflexão, Deus te abençoe e muito.

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