RECORDAR É VIVER

Com o lançamento de mais um número da revista Magazine 60+ volto a publicar o link da nova edição, assim como o artigo que escrevi para essa revista em novembro de 2019, “Vivência e Sabedoria”. Esse artigo, para minha surpresa e satisfação foi matéria de capa da revista aquele mês. Uma honra muito grande, que agora compartilho com vocês!

Segue o link da Magazine 60+ deste mês de fevereiro de 2021:

https://issuu.com/manoelcarlosconti/docs/jornal_60__20

VIVÊNCIA E SABEDORIA

Novembro de 2019 - #5

https://issuu.com/manoelcarlosconti/docs/jornal_60__5

Revendo o filme “UP – Altas Aventuras” em um sábado à noite, comendo pipoca recém estourada e tomando um suco delicioso, comecei a observar um dos personagens principais, Carl Fredricksen, um idoso e nostálgico vendedor de balões que, desde o falecimento de sua esposa, vivia recluso em sua casa, tendo por companhia suas lembranças mais caras: aquelas em que o casal fazia planos para o futuro e cultivavam o desejo de conhecer o lugar onde gostariam de morar. Por obra do destino, um jovem escoteiro de nome Russel, cruza seu caminho. Carl, nada receptivo a novidades, tenta evitar o menino a todo custo, mas Russel, com seu otimismo e ingenuidade o conduz, por caminhos nada convencionais, a realizar a viagem. A partir daí ambos vivem as mais fantásticas aventuras. O fato de o idoso e o menino se encontrarem solitários os aproxima cada vez mais e o envolvimento afetivo entre eles é inevitável. Como a de um avô com seu neto, a relação que constroem é tão significativa que chega a comover. E, aos poucos, os dois adquirem a alegria, a esperança e a crença de que dias melhores e mais alegres passarão a fazer parte de seu cotidiano, por haverem, cada um do seu modo, encontrado no outro, o que lhes faltava.

Deixando o personagem um pouco de lado e olhando a realidade de nossos idosos, é possível falar na existência de dois grandes grupos de idosos: os ativos e o dos idosos considerados como sendo mais frágeis.

Entre os idosos ativos distinguimos:

1)      aqueles que possuem disposição e energia suficientes para desempenharem bem diversas competências tanto de ordem individual como social. Tais idosos estão, sempre, em busca de ações e conhecimentos que promovam seu crescimento pessoal;

2)      aqueles que, apesar de aposentados, continuam trabalhando por dependerem de seus salários para sobreviver;

3)     aqueles que sendo avós cuidam dos netos e tomam para si a responsabilidade educacional e escolar dessas crianças enquanto os pais delas trabalham.

Entre os Idosos mais frágeis destacamos:

1)      aqueles que se encontram adoentados e necessitam de auxílio das mais diversas ordens podendo, essa condição, ser temporária ou permanente;

2)      aqueles conhecidos na Gerontologia como sendo os “empijamados”, como se mostrava o sr. Fredricksen na primeira parte do filme Up.

O processo de envelhecimento tem sido investigado pelas ciências médicas, assim como por muitas outras áreas do conhecimento. Hoje é sabido que o número de anos vividos pelas pessoas não justifica o processo do envelhecer de cada uma delas. Variáveis como fatores ambientais, biológicos, sociais, psicológicos, funcionais e cognitivos, entre outros, determinam a maior ou menor qualidade de vida e resultam em diferentes modos de viver a velhice.

Uma das situações, a meu ver, mais preocupantes é a dos “empijamados”: idosos que, por circunstâncias que talvez nem eles saibam explicar a causa, se isolaram em casa assumindo, como distração e modo de vida, a televisão ligada o dia inteiro. Talvez imaginem que “já que não vou onde o ‘mundo’ está, nada mais justo que o ‘mundo’ venha até mim”. Confinados e escravizados à ilusão de atividade que a TV lhes imprime, esses idosos vão se abandonando, relegando a segundo plano sua alimentação, saúde, higiene o que, fatalmente resultará em um estado de letargia que, aos poucos, comprometerá suas condições física e mental. Logo mais, deixarão de ser “empijamados” para engrossar o percentual da população senil.

Agora, volto a pensar no idoso do filme Up: o que Carl Fredricksen, de forma singela nos ensina? Que por mais difícil que seja, no princípio, devemos buscar a companhia de outras pessoas, inicialmente daquelas que ainda sonham viver grandes aventuras, as crianças. E, por que, justamente as crianças? Porque através delas iremos resgatar a criança que fomos e os sonhos que tivemos um dia, nos divertiremos ao observá-las em seus movimentos exploratórios de vida e convivência social e poderemos impulsioná-las com nosso conhecimento, oferecido sempre em pequenas doses, a ir além, a ousarem e a se testar.

Retomar o contato com os amigos queridos e a família também faz parte das providências a se tomar para sair da condição de ser um idoso mais frágil ou evitar chegar lá. Leia muito, faça caminhadas, tenha contato com a natureza, crie um animal, durma 8 horas por noite, coma o que lhe faz bem, esteja atento ao que acontece ao seu redor, treine sua memória, sua atenção, faça cursos, pratique a empatia.

Agindo dessa forma, alinharemos nosso envelhecer às condições que cada etapa de vida nos presenteou. E, somente assim, poderemos desfrutar da sabedoria que, reconhecidamente, só os idosos possuem – e que muitos deles desconhecem ter.